Poucas coisas são tão frustrantes para um policial quanto prender um criminoso e vê-lo solto dias depois por falta de provas. Na maior parte das vezes a libertação de um criminoso não decorre de uma injustiça, mas sim do uso de provas obtidas de forma ilegal.
A jurista, sócia do escritório Valles e Valles e conselheira do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) , Jacqueline Valles, explica que na maioria dos casos isso acontece porque as provas foram colhidas em discordância com o Código de Processo Penal (CPP) e, portanto, são ilegais. “Por desconhecimento da lei, em especial do CPP, muitos policiais ‘contaminam’ o local do crime ou obtém provas que não poderão ser usadas no processo. O juiz fica sem opção também. Isso gera injustiça e a frustração que o policial experimenta quando vê o criminoso solto”, explica.
Invasões sem mandado
Entre as ações que mais provocam solturas de criminosos estão prisões ocorridas após a polícia invadir casas sem a chamada “fundada razão” ou após recolher provas em celulares de suspeitos sem o consentimento expresso. “O STF já decidiu que a polícia só pode entrar na casa de algum suspeito sem mandado judicial se já houver uma investigação prévia e comprovável sobre a pessoa, além de elementos que permitam concluir sem equívoco que o crime está ocorrendo naquele momento. Denúncia anônima também não é suficiente para autorizar a polícia a invadir uma residência. Até uma prisão pode ser anulada se a polícia invadir a casa sem autorização da justiça ou sem esse trabalho de investigação preliminar, segundo decisões recentes dos tribunais superiores”, explica Jacqueline.
Celulares
Provas colhidas no celular de suspeitos sem consentimento expresso; forçar o suspeito a prestar depoimento no local dos fatos e não diante de uma autoridade judicial também são motivos que, comumente, provocam a libertação de acusados. “O policial não pode mexer no celular de um suspeito sem seu consentimento expresso. Também por isso as câmeras nos uniformes são tão importantes. Eles comprovam esse consentimento e podem validar uma eventual prova encontrada no aparelho. O Código de Processo Penal existe porque investigar e processar alguém não é um vale-tudo. Existem regras para garantir a lisura do trabalho da polícia e do Judiciário”, explica a jurista.
A conselheira do IBCCRIM explica que o policial militar não pode colher o depoimento de um suspeito no local dos fatos. “É comum que isso aconteça, mas não pode. O CPP estabelece uma série de regras para a ação policial e criminal. O suspeito de um crime, ao ser detido, deve ser levado para uma autoridade de Polícia Judiciária, a quem cabe colher o depoimento e decidir sobre a prisão ou liberação do suspeito”, explica.
Prisão de inocentes
O reconhecimento fotográfico é um grande responsável pela prisão de pessoas inocentes, porque é comum que seja realizado fora dos padrões definidos pela lei. “Há casos conhecidos de prisões feitas depois de reconhecimento por foto de redes sociais, o que é totalmente ilegal. É uma aberração jurídica que provoca enganos graves que complicam a vida de pessoas meramente parecidas com o verdadeiro criminoso. A lei estabelece regras bem específicas para que os culpados sejam, de fato, reconhecidos, identificados e presos. Quando a coleta de provas é mal feita ou feita fora da lei, todo o processo está comprometido. É extremamente comum que o caso nem chegue a julgamento do mérito porque, no meio do caminho, a justiça detecta essas falhas processuais. Quando o Estado investe contra um cidadão, é um aparato gigantesco contra uma única pessoa. O Código de Processo Penal está aí para coibir injustiças, mas enquanto ele não for de amplo conhecimento de todos os agentes da lei, ele continuará provocando efeito contrário, conclui a jurista.