Quase 90% das audiências de mediação e conciliação realizadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo são gratuitas. Segundo projeção do próprio tribunal, 496 mil das 556 mil audiências que devem ser realizadas em 2023 terão o benefício da Justiça Gratuita, concedido à população de baixa renda, que não consegue arcar com as despesas judiciais. Em São Paulo, esse trabalho é desenvolvido por mais de 3 mil mediadores e conciliadores, que têm a missão de evitar que a disputa se transforme em mais um processo que vai abarrotar os tribunais. O trabalho promove agilidade na solução das disputas e grande economia aos cofres públicos.
Apesar disso, os mediadores paulistas ainda fazem esse trabalho de graça. Diferentemente do que acontece nos tribunais de pelo menos 8 estados, o TJSP não paga esses profissionais. Com um orçamento de mais de R$ 15 bilhões, o tribunal paulista não prevê no orçamento verba suficiente para remunerar os conciliadores que atuam nessas audiências de mediação e conciliação. “É importante ressaltar que todos os profissionais envolvidos no trabalho da Justiça Gratuita, como peritos, oficiais de justiça, intérpretes, leiloeiros e psicólogos, recebem por seus serviços. Só os mediadores não são remunerados”, explica o advogado e assessor jurídico do Sindicato dos Mediadores e Conciliadores do Estado de São Paulo (SIMEC-SP), Rafael Rocha Martins.
E não estamos falando de uma remuneração exorbitante. Os honorários dos mediadores giram em torno de R$ 83,20 por audiência da Justiça Gratuita. Um estudo do sindicato da categoria, feito com base nas estatísticas do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), órgão ligado ao TJSP, calculou que seriam necessários R$ 54 milhões para remunerar esses profissionais em 2023. “Conseguimos, com um trabalho de convencimento junto aos deputados estaduais, incluir uma previsão simbólica de R$ 2 mi no orçamento do TJSP, mas esse valor está aquém do necessário para custear o trabalho dos mais de 3 mil profissionais que atuam em São Paulo”, explica a advogada e presidente do SIMEC-SP, Márcia Cristina da Silva Cambiaghi.
Exemplo vem de fora
Apesar de SP ser o Estado mais rico da federação e de o TJSP ser o maior Tribunal do Brasil, os mediadores que atuam na Justiça Gratuita não são remunerados. “Tribunais de Goiás, Mato Grosso do Sul, Ceará, Rio de Janeiro, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Tocantins e Rio Grande do Sul já incluíram em seus orçamentos a remuneração desses profissionais”, enumera a presidente do SIMEC-SP.
Há mais de 7 anos o sindicato atua para corrigir essa distorção, mas os mediadores que ajudam a população que não tem condições de pagar por uma audiência continuam trabalhando de graça. “A falta de pagamento das sessões da Justiça Gratuita afugenta e desestimula os bons profissionais, especialmente nos municípios menores ou mais carentes, onde a maioria dos trabalhos dos mediadores/conciliadores é feita de graça. Nesses casos, o profissional tem que arcar com os custos da sua qualificação permanente, além de custos do transporte e alimentação sem receber nada para isso”, reforça Márcia.
Reforço necessário
Um dos maiores desafios do Judiciário brasileiro é a lenta tramitação dos processos. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2021 o Poder Judiciário concluiu 26,9 milhões de processos, mas outros 27,7 milhões deram entrada no mesmo ano. “Sem estimular os métodos alternativos de solução de conflitos, o Judiciário fica num trabalho de enxugar gelo. Os índices de sucesso das audiências de mediação provam que é possível mudar essa realidade, basta investir na qualidade dessa política pública”, explica a presidente do SIMEC-SP.
Em 2021, quase oito em cada dez disputas das Varas de Família e Civil de São Paulo, por exemplo, não viraram processo porque foram solucionados ainda na fase pré-processual, ou seja, antes do ajuizamento de um processo, graças ao trabalho dos mediadores e conciliadores. Segundo o Nupemec, a categoria obteve um índice de acordos de 76%.
Cultura da Paz
Além do benefício de agilizar a Justiça, o trabalho dos mediadores contribui para a disseminação da cultura da conciliação. “O grande ensinamento da política nacional de resolução adequada de conflitos é mostrar que desentendimentos e conflitos podem ser resolvidos por meio da conciliação, sem embates judiciais. E isso tem reflexos não só na Justiça, mas em todos os aspectos sociais, incentiva a cultura do diálogo e da paz, algo que precisamos muito nos tempos atuais”, completa Márcia.