A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kássio Nunes Marques de liberar a realização de missas e cultos em todo o país a pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) é, na avaliação da jurista Jacqueline Valles, uma sucessão de erros. “Quem pediu a liminar não tem legitimidade para isso. A decisão contraria entendimento do Plenário do STF de 2020. Não há, nessas medidas, restrição à liberdade religiosa e, por fim, um ministro do STF ou juiz não pode decidir com base nas leis de outros países, conforme o ministro argumentou”, enumera a jurista e mestre em Direito Penal pela PUC-SP.
A jurista explica que a liminar de Kássio Nunes foi concedida em uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental na Corte) movida pela Anajure. Ocorre que a associação não tem legitimidade para mover esse tipo de ação. “Segundo o artigo 103 da Constituição Federal, podem propor esse tipo de ação o presidente da República; a mesa do Senado e da Câmara; o Conselho Federal da OAB; partidos políticos e sindicatos nacionais, entre outros. O erro começa aí e é reconhecido pelo ministro na ação, o que deixa a decisão de Kássio Nunes ainda mais sem nexo”, explica.
A jurista esclarece que o argumento utilizado pelo ministro de que a restrição de cultos e missas presenciais viola o direito constitucional também não se aplica. “Estados e municípios não estão proibindo as pessoas de exercerem sua fé, não estão limitando o acesso à religião, as pessoas podem rezar e processar sua fé em suas casas, por meio de cultos e missas on-line”, completa Jacqueline.
Por fim, diz a jurista, as decisões que norteiam a vida dos cidadãos e das instituições nacionais são adotadas com base no nosso conjunto de leis. “Não podemos aplicar ao Brasil as leis de outros países, essa é uma situação absurda. Nós temos uma Constituição e uma série de normas para os mais variados crimes e situações. E temos um ato conceituado sobre a matéria de análise, não há qualquer justificativa lógica para transportar o direito de outro país para o nosso. Quando muito, você pode fazer uma referência para compor um raciocínio que existe aqui”, afirma.
Diante dessa situação, afirma Jacqueline, resta ao STF se reunir em plenário para derrubar essa decisão monocrática. “Esse é o próximo passo do STF, já que a avaliação sobre o assunto está formada por maioria desde abril do ano passado, quando o colegiado entendeu que estados e municípios têm autonomia para adotar medidas de enfrentamento à pandemia”, diz.