Depois de registrar um aumento de 84,9% em 2021, o número de autuações pelo descumprimento da Lei do Descanso nas rodovias federais brasileiras caiu 5% no ano passado. Dados fornecidos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) a pedido da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra) revelam que foram registradas 38.237 autuações a motoristas de caminhão e de ônibus. Isso significa que, a cada 15 minutos um motorista foi flagrado dirigindo sem descanso nas rodovias brasileiras em 2022. “Em setembro passado, o governo federal sancionou uma lei (14.440/2022) que, na prática, impede a autuação dos motoristas profissionais que descumprirem as regras de segurança previstas na Lei do Descanso e isso representa um perigo para todos nas rodovias, na medida em que limita a atuação da fiscalização pela PRF”, explica o diretor científico da Ammetra, Alysson Coimbra.
A Lei do Descanso determina que o motorista pare de dirigir por 30 minutos a cada seis horas de trabalho. É proibido passar mais de cinco horas e meia ao volante sem interrupção. No caso do transporte de passageiros esse limite é reduzido para quatro horas. A lei também obriga que os motoristas tenham intervalos de 11 horas ininterruptas entre um dia e outro de trabalho. “A medida é indispensável para evitar que motoristas cansados e sob efeito de estimulantes continuem dirigindo e colocando em risco suas vidas e as da coletividade. A ciência já comprovou que 90% dos sinistros de trânsito têm causa em fatores humanos e relaxar a fiscalização dessa lei só favorece a ocorrência de lesões e mortes no trânsito”, comenta Coimbra.
A norma editada pelo governo federal, e que vale desde 2 de setembro de 2022, impede as autoridades de trânsito de autuar motoristas que desrespeitarem o tempo máximo permitido ao volante caso não haja Pontos de Parada e Descanso (PPD) nas proximidades da fiscalização. O problema é que não há PPDs em número suficiente distribuídos ao longo da malha rodoviária brasileira. Os cerca de 76 mil quilômetros de rodovias federais brasileiras têm 94 PPDs credenciados no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), segundo dados atualizados em 24 de fevereiro. Em média, um PPD a cada 803 quilômetros. “Dados da CNT indicam que a velocidade média dos caminhões nas estradas brasileiras é de cerca de 40 km/h. Nessa média, o deslocamento entre um ponto e outro ultrapassa o período máximo em que o motorista pode dirigir de forma segura. Essa norma precisa ser revogada imediatamente”, explica Alysson Coimbra.
Segundo Coimbra, a pressão por entregas rápidas e aspectos econômicos fazem com que caminhoneiros dirijam por prazos longos e, muitas vezes, valendo-se do uso de estimulantes e substâncias psicoativas para manterem-se despertos. Esses profissionais acreditam que ficariam mais atentos, mas o efeito é contrário. “O uso dessas substâncias reduz a atenção, aumenta o tempo de reação e prejudica os reflexos”, afirma o especialista.
Uma pesquisa da CNT corrobora essa informação: o levantamento apurou que há caminhoneiros que passam até 13 horas por dia ao volante. Na avaliação do médico especialista em Medicina do Tráfego, essa conduta potencializa o risco de acidentes e coloca todos os usuários do sistema nacional de trânsito em risco. “Uma pesquisa recente feita pela Central Queensland University, da Austrália, revelou que a fadiga e o cansaço estão relacionados a 20% dos sinistros de trânsito. Fazer valer essa lei significa salvar vidas”, observa Coimbra.
Em 2022, as rodovias federais registraram 64.448 sinistros de trânsito que provocaram 5.426 mortes. Do total de acidentes, 18,4% (20.012) envolveram veículos de grande porte, como caminhões, ônibus, caminhão-trator e micro-ônibus. “Os veículos pesados, por seu peso e dimensão, representam os sinistros mais graves, com maior letalidade, por isso todo cuidado com relação aos motoristas profissionais é indispensável”, completa Coimbra.
Falta de sono dobra risco
Estudo publicado em abril na revista Nature and Science of Sleep revelou que a falta de sono tem um efeito similar ao do álcool no cérebro do motorista. “Quando não dormimos o suficiente, temos dificuldade de concentração, cansaço, e uma percepção visual distorcida. Isso acontece por causa de uma falha de comunicação temporária entre os neurônios”, pontua Coimbra.
O estudo, feito por cientistas da Central Queensland University, na Austrália, revelou que dirigir após um sono de aproximadamente 5 horas reduz o desempenho do motorista e dobra a probabilidade de um acidente quando comparado com indivíduos que têm uma boa noite de sono. Os cientistas concluíram que esse aumento da probabilidade de um sinistro de trânsito é o mesmo que ocorre com um motorista que dirige com uma concentração de álcool no sangue de 0,05%. “Ao primeiro sinal de sono e cansaço, o motorista deve procurar um lugar seguro para descansar. Em viagens longas, o ideal é que o motorista faça paradas regulares a cada hora e meia ou duas de viagem para caminhar, alongar a musculatura, hidratar, ir ao banheiro e fazer alimentação leve”, completa o diretor da Ammetra.