A pandemia do novo coronavírus colocou em evidência uma categoria profissional que vem sofrendo há anos com a precarização das condições de trabalho. Os motofretistas, tão vitais para garantir que a economia continue girando em tempos de recessão, estão perdendo a vida nas ruas brasileiras para permitir que as pessoas cumpram o isolamento social. Somente em São Paulo, segundo levantamento do Infosiga, o número de mortes de motofretistas cresceu 85,7% em março deste ano, na comparação com o mesmo período de 2019.
Segundo dados da Seguradora Líder, de janeiro a março de 2020 houve um crescimento de 19% no número de indenizações pagas pelo Seguro DPVAT na comparação com o mesmo período de 2019. No primeiro trimestre de 2020 foram pagas 89 mil indenizações no país. Deste total, 59726 mil se referem a invalidez permanente; 9298 mil a casos de morte e 20004 a despesas médicas.
O relatório mostra o aumento de 22% dos números de casos por invalidez no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o ano passado. “A insegurança no trânsito está criando um exército de jovens inválidos. Precisamos ter ações contundentes para preservar vidas voltadas aos motoristas profissionais, por isso lutamos tanto contra a flexibilização do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)”, afirma o médico especialista em Medicina do Tráfego, Alysson Coimbra de Souza Carvalho.
Com salários baixíssimos, muitos destes profissionais estão submetidos a jornadas exaustivas e se arriscando no trânsito para conseguir fazer o maior número possível de entregas e, assim, garantir uma renda mínima. “Precisamos criar, por meio de políticas públicas, garantias para essa categoria e, com isso, melhorar a segurança no trânsito brasileiro como um todo”, completa o especialista.
Apesar das motocicletas corresponderem a cerca de 29% da frota nacional, elas são responsáveis por 76% das solicitações de indenizações por morte e invalidez do Seguro DPVAT. “É uma categoria que está exposta ao risco diariamente. O número de mortes e invalidez cresceu muito nos últimos anos. O impacto disso a gente sente não só no Sistema Único de Saúde e na Previdência Social, mas também na perda de força de trabalho. Mutilados em acidentes, muitos profissionais não conseguem se recolocar no mercado de trabalho e engrossam a lista de aposentadorias precoces por invalidez. É um problema que atinge toda a sociedade, principalmente os jovens”, comenta
O especialista em Medicina do Tráfego defende a formação de uma Frente Parlamentar em defesa dessa importante categoria profissional.“Precisamos garantir que esses profissionais tenham acesso a todos os equipamentos de proteção individual e a melhores condições de trabalho para que não se tornem vítimas do trânsito, desencadeando uma série de problemas sociais e econômicos. Preservar vidas deve ser o norte de todas as políticas públicas para o trânsito”, afirma Carvalho.
Uma iniciativa neste sentido foi adotada logo no início da pandemia, com o Projeto de Lei 1.553/202, de autoria do deputado Mauro Nazif (PSB-RO). O PL, que obrigava empresas do setor de entregas a fornecer EPIs e produtos de higiene pessoal a seus funcionários durante a pandemia, foi elaborado com o apoio da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), e buscava proteger a categoria, evitando que os motofretistas se tornassem vetores de transmissão. “Infelizmente esse projeto foi arquivado, o que reforça a urgência de olharmos para estes profissionais com a atenção necessária, haja vista o movimento de paralisação que eles estão fazendo hoje. Se a sociedade agisse para cuidar desses profissionais, muitos não perderiam as vidas e não precisariam protestar para cobrar melhores condições de trabalho”, completa o médico.