Os conselheiros tutelares e outros agentes públicos que acompanhavam a família do menino de 11 anos, resgatado pela Polícia Militar acorrentado dentro de um barril em Campinas, podem ser autuados por crime de tortura caso a investigação confirme que eles foram omissos para evitar o sofrimento da criança. O advogado criminalista Danilo Campagnollo Bueno explica que a lei 9.455/97, que estabelece os crimes de tortura, prevê punição para os agentes públicos que deixarem de atuar para apurar o crime. “A lei de tortura é clara quando diz que quem tem a obrigação de apurar o crime e não o fizer pode ser responsabilizado criminalmente por omissão imprópria. A pena, para esses casos, é de detenção de 1 a 4 anos. E pode ser aumentada de um sexto a um terço pelo fato da vítima ser criança”, explica Bueno.
O caso foi divulgado no último domingo e chocou pela crueldade como a criança era tratada. Subnutrido, o menino estava há cerca de um mês acorrentado pelos pés, mãos e cintura dentro de um tambor. A criança era alimentada com fubá cru e restos de comida, como cascas de banana.
O criminalista conta que o crime que chocou o Brasil guarda semelhanças com um caso ocorrido nos Estados Unidos, que acabou originando um documentário por colocar em xeque os serviços de proteção à criança daquele país. Em 2013, o menino Gabriel Fernandez, de 8 anos, morreu depois de ser torturado pela mãe, Pearl Fernandez, e seu namorado, Isauro Aguirre. Serviços de proteção à criança acompanhavam a família de Gabriel, mas não adotaram todas as medidas necessárias para protegê-lo. Quatro assistentes sociais foram acusados de abuso infantil e falsificação de registros públicos.
Bueno conta que, como ocorreu nos Estados Unidos, a eventual negligência ou falta de atuação dos serviços de proteção infantil não interrompeu a prática dos crimes de tortura ao qual o menino de 11 anos resgatado no Jardim Itatiaia foi submetido. “Em entrevista à imprensa um conselheiro confirmou que o órgão acompanhava a família há cerca de um ano, mas que não imaginava que a situação era grave. Isso motivou o Ministério Público a declarar que investigará a conduta dos agentes e órgãos públicos que assistiam a criança e família. Se comprovada a negligência e omissão, eles podem ser enquadrados no crime”, finaliza.
Crime hediondo
O pai do garoto de Campinas vai responder pelo crime de tortura com aumento de pena. De acordo com o Código Penal, quando a tortura causa perigo de vida, a pena varia de 4 a 10 anos. A punição também é ampliada em um sexto a um terço quando o crime é praticado contra criança. Considerando essas situações, a pena do pai pode variar entre 4 anos e 8 meses até 13 anos.
No caso da madrasta e sua filha, a polícia investigará se elas participavam da tortura da criança. Se ficar comprovado que ambas tinham envolvimento direto, a pena é a mesma. E ainda que a madrasta não tenha participação efetiva na tortura, é possível que ela responda pelo crime, pois como madrasta tem dever de tutela com relação à criança e, por isso, obrigação de evitar o crime pelo seu marido, ao menos comunicando as autoridades. “Já a filha da madrasta, por não ter dever de tutela sobre a criança, mas conhecimento da prática da tortura, pode responder por omissão de socorro previsto na Lei da Tortura, cuja pena pode variar de 1 ano e 2 meses a 5 anos e 3 meses. E o mesmo pode ser aplicado aos vizinhos que tinham conhecimento do crime e foram omissos”, finaliza o criminalista.