O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta-feira, o julgamento que poderá culminar com a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. A discussão teve início em 2015, com o processo de um mecânico que foi condenado por posse de 3 gramas de maconha. O resultado do julgamento vai definir todos os casos semelhantes a partir de então.
A advogada criminalista e jurista Jacqueline Valles explica que o STF julga a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, que estabelece a proibição a quem ‘adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização’. “A grande discussão não é ser favorável ou não ao consumo, mas verificar se o artigo 28 ultrapassa o limite dos direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição, como o direito à intimidade, à privacidade, à autodeterminação e à liberdade dos seus atos”, comenta.
Todo tipo de droga
O julgamento já tem três votos favoráveis à descriminalização, mas dois deles especificam apenas a maconha como droga de porte e consumo liberado. A jurista, que é mestre em Direito Penal e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), entende que o STF não tem a prerrogativa de liberar o porte para consumo de apenas um tipo de droga. “O artigo 28 não faz distinção entre as drogas, portando, se for considerado inconstitucional, significa que estaria liberado o porte de todos os tipos de drogas, desde que para uso próprio. Qualquer alteração na lei, para delimitar tipo de droga e quantidade, precisa ser feita pelo Legislativo”, pondera.
A manutenção da criminalização, explica a advogada, requer estudos conclusivos de que o ato individual de usar drogas influencie, de forma determinante, a saúde pública. Jacqueline cita o exemplo de leis que proíbem o fumo em ambientes fechados e da Lei Seca, que proíbe dirigir sob o efeito de álcool e substâncias psicoativas. “A legislação não proíbe o fumo ou o consumo de bebidas alcoólicas, mas limita determinadas ações de quem usa essas substâncias em situações que, além do próprio individuo, esse consumo interfira negativamente e provoque danos a outras pessoas”, explica.
Plantio sim, venda não
Caso o STF julgue o artigo 28 inconstitucional, o plantio de maconha em casa também deve ser liberado, desde que seja apenas para consumo. Importante ressaltar que a venda continua proibida. Hoje, o parágrafo primeiro do artigo 28 criminaliza também quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. “Se o artigo 28 for considerado inconstitucional, cai também a criminalização do plantio. Isso daria segurança jurídica a pacientes que obtiveram liminares na Justiça para plantar maconha em casa para fins terapêuticos”, completa a jurista.
Invasão da vida pessoal
A advogada conta que, tal como acontece com o tabagismo e álcool, o Estado deve atuar por meio de campanhas educativas e de conscientização sobre os danos provocados pelo uso dessas substâncias. “Há limites para a ingerência do Estado na vida das pessoas. A lei pode ser construída de forma a minimizar o impacto das escolhas dos cidadãos, no caso o consumo de drogas, na saúde de terceiros, mas jamais interferir nas escolhas individuais dos cidadãos”, comenta.