Crianças e adolescentes são as maiores vítimas dos crimes sexuais e, segundo estatísticas, seus algozes são pessoas conhecidas. Um estudo recente divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, a cada 20 minutos, uma menina de até 14 anos foi estuprada no Brasil entre 2017 e 2020. “A lei brasileira criou dispositivos para proteger essas vítimas. Além da pena para essa faixa etária ser maior, há a possibilidade de responsabilização penal por omissão, prevista no artigo 13 do Código Penal, quando o responsável legal, que tem a obrigação de proteger crianças e adolescentes, tem conhecimento do crime, mas não age para evitá-lo”, afirma Jacqueline Valles, jurista e advogada criminalista da Valles & Valles Advocacia.
Para a lei ser aplicada, explica a advogada, é preciso ficar claro que o responsável sabia do crime e dos riscos a que as crianças estavam sujeitas e não agiu para evitar a violência. “Isso pode ser demonstrado por meio de depoimentos da vítima, amigos e parentes e estudo do histórico do agressor, por exemplo”, diz.
A criminalista diz que a comprovação do crime por omissão é analisada caso a caso. “Por isso há uma dificuldade maior em punir. Mas se ficar comprovado que houve omissão, o responsável legal pode receber a mesma pena que o estuprador”, completa.
Em casos mais raros, até mesmo entidades de proteção como o Conselho Tutelar podem ser responsabilizados se ficarem inertes diante de denúncias. “É um mecanismo que a legislação trouxe para amparar aqueles que não conseguem se defender”, explica.
Escalonamento
O Código Penal delimita alguns tipos de estupro e estabelece penas escalonadas que variam de acordo com a faixa etária. “Quando a vítima tem menos de 14 anos, o crime é classificado como estupro de vulnerável. Por definição, a vulnerabilidade se aplica a pessoas que não tenham o discernimento para a prática do ato, seja porque são crianças, porque não podem se defender ou por terem alguma enfermidade ou deficiência mental. Nesse caso, a pena varia entre 8 e 15 anos de prisão. Se a vítima for menor de 18 anos e maior de 14, a pena é de até 12 anos de reclusão”, acrescenta a criminalista.
Outro mecanismo para coibir o crime é o aumento de pena para os crimes que resultem em lesões graves e morte. “No caso de estupro com lesão grave, a pena pode atingir 20 anos. Se o crime resultar em morte, chega a 30 anos. Também são aplicadas penas mais graves quando a violência sexual é cometida por ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor, empregador ou pessoa que tenha autoridade sobre ela”, completa a jurista.
Estupro coletivo e corretivo
Um crime que vem ocorrendo com maior frequência no Brasil nos últimos anos é o estupro coletivo. Levantamento feito pelo Ministério da Saúde a pedido da imprensa mostrou que, em 2019, o Brasil registrou 14 estupros coletivos por dia, um a cada 2,5 horas. “A lei também prevê uma punição mais dura quando o crime é praticado por mais de uma pessoa: há um aumento que varia de um a dois terços da punição original”, diz Jacqueline.
Esse mesmo aumento de pena se aplica ao chamado estupro corretivo, previsto na lei 13.718, de 2018, para definir o crime que ocorre como uma tentativa de “controlar o comportamento social ou sexual da vítima”. “É um crime que vitima, em sua maioria, a população LGBTQIA+ e não há números sobre a ocorrência. Se ficar comprovado que um estupro é corretivo, a pena pode variar de 8 a 17 anos de prisão”, completa a advogada.