Uma passageira de 34 anos não teve dúvidas quando procurou as comissárias de um voo da Azul para pedir ajuda, mas se surpreendeu com a omissão delas. A mulher viajava de São Paulo a Porto Alegre, no último dia 1º, quando o passageiro que estava ao seu lado passou a se masturbar logo no início do voo. “Eu estava mexendo no celular quando vi, pela visão periférica, que ele mexia muito na genitália. Como aquela movimentação não parou e ficou mais intensa, comecei a reparar. Ele estava na janela e eu, na poltrona do meio. Nessa hora conversei com a senhora que estava do meu lado e pedi para ela olhar e confirmar o que estava acontecendo. Ela me disse que sim, realmente o homem estava fazendo aquilo (se masturbando)”, narrou.
Ela e a outra passageira se levantaram. A vítima foi falar com as comissárias e a outra passageira foi para o banheiro. “Contei o que acontecia, a comissária foi até a poltrona em que eu estava e confirmou que ele estava se masturbando. Ela, então, me acomodou em uma poltrona bem longe. Eu tremia, estava muito nervosa e abalada com a aquela situação”, lembra.
O que já era um pesadelo para a mulher piorou quando ela percebeu que as comissárias não chamariam a polícia. “Quando eu perguntei se elas iriam acionar a polícia elas se olharam e calaram. Eu voltei a questionar mais tarde, mas as duas disseram que ele estava nervoso, que não era necessário chamar a polícia pois o homem não havia me mostrado a genital, nem me tocado”, lembra.
Nesse momento a passageira percebeu que, apesar de ter sido vítima de um crime, não receberia ajuda da companhia aérea. Indignada, ela consultou uma advogada criminalista e procurou a delegacia da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas para registrar a ocorrência. “Ela contou que pediu para falar com o comandante, mas não deixaram. A companhia área deixou de prestar socorro a uma vítima de importunação sexual e isso é grave. Não precisa do toque para o crime ficar caracterizado. Chegaram a falar que como ele não mostrou o membro, e como não viram o membro ereto, não havia crime. É uma situação de descaso total com uma vítima”, afirma a advogada Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal.
Jacqueline explica que, diante de uma denúncia como essa a companhia aérea tem o dever de prestar socorro à vítima e acionar a polícia. “Crimes cometidos em voos são de responsabilidade federal. Em um caso como esse a PF deve ser acionada e já aguarda a chegada do voo no portão de desembarque para iniciar as providências. Cabe exclusivamente à polícia analisar se houve crime ou não”, explica a criminalista.
A vítima disse que insistiu para que a polícia fosse acionada e revelou que a tripulação argumentou que o homem deveria estar nervoso ou poderia estar doente. “Eu me senti desamparada. Fui para casa e não consegui dormir de noite, pensando no que tinha acontecido. Aquela cena não saía da minha cabeça e eu fiquei questionando o que havia feito de errado. Não desejo isso para nenhuma mulher”, diz.
A passageira conta que decidiu ir à delegacia e repetir os detalhes do que aconteceu no voo para que o caso seja investigado. “Eu quero que as pessoas sejam ouvidas e ele também. Quero que a companhia aérea faça sua obrigação, que é treinar e preparar seus funcionários para atender uma mulher vítima de violência, independentemente da forma que essa violência tenha ocorrido. A omissão das comissárias foi a segunda violência que tive que enfrentar”, comenta.
Um delegado da Polícia Federal ouviu o depoimento da vítima nesta terça-feira (3) e informou que abriria um inquérito para ouvir o passageiro, a testemunha da poltrona ao lado e a tripulação do voo da Azul. “Nenhuma vítima de crime deve ser punida duplamente, primeiro pelo agressor e depois por quem deveria prestar socorro. Não bastasse a violência que sofri, as comissárias ainda tentaram me dar bronca, indignada, eu falava alto com os outros passageiros sobre o ocorrido”, resume.