Eduardo Costa Teixeira, cirurgião e presidente da Associação Brasileira de Médicos Com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo)
O Brasil sofre, historicamente, com a falta de atendimento médico em regiões distantes e menos desenvolvidas. Segundo o Ministério da Saúde, no final do ano passado, mais de quatro mil equipes de saúde da família não tinham médicos. Considerando que cada equipe atende entre 3 mil e 4 mil pessoas, temos uma população de 12 e 16 milhões de brasileiros sem acesso a médico.
Mas, segundo a Demografia Médica 2023, não faltam médicos no Brasil: são 546 mil profissionais em atuação, temos 2,56 profissionais para cada grupo de mil habitantes, índice comparável a países desenvolvidos. O que falta, efetivamente, é uma distribuição adequada desses profissionais no território.
A melhor distribuição de médicos passa, necessariamente, pela melhor distribuição dos cursos de graduação, especialização e residência médica ao longo do território nacional. Hoje, cerca de 46% das instituições que oferecem Residência Médica se concentram na região Sudeste, onde está metade dos programas credenciados.
Isso precisa mudar. Por isso, a reformulação do Mais Médicos, que prioriza a formação de especialistas em atenção primária e que inclui o
Ministério da Educação (MEC) na formação de especialistas é algo louvável.
A busca por especialistas pode ser encurtada com a adoção de regras democráticas que, embora já estejam previstas em lei, seguem sendo desrespeitadas. Hoje, o destino da medicina brasileira está nas mãos de entidades privadas, que definem privilégios a profissionais que passaram pela residência médica, cujas vagas insuficientes criam uma casta de médicos privilegiados não por habilidades especiais, mas por interesses de uma minoria em manter a medicina especializada nas mãos de poucos.
A Lei 3.268/1957, que rege o exercício da medicina, diz, textualmente, que todos os médicos formados e registrados no CRM de sua região podem exercer quaisquer ramos da medicina, inclusive especializada. Mas, ainda citando a Demografia Médica 2023, apenas 8% dos médicos graduados em 2021 encontraram vagas na residência médica.
Dos quase 42 mil médicos formados a cada ano no Brasil, menos de cinco mil chegam a cursar residência. Quem quiser se especializar e não encontra vagas na residência médica pode fazer a pós-graduação em cursos chancelados pelo MEC, mas é impedido, por uma resolução do CFM que vem sendo questionada na Justiça, de informar sua especialidade aos pacientes.
Já os médicos que recorrem a cursos vinculados a certas entidades privadas, têm o direito de se anunciarem especialistas.
Temos milhares de profissionais especializados em cursos chancelados pelo MEC que podem contribuir para reduzir as longas filas de espera por consultas com especialistas pelo SUS, que em muitos estados ultrapassam 12 meses.
A Medida Provisória 1.165/2023, que recriou o Mais Médicos, estabelece que o programa será utilizado como porta de entrada desses profissionais para novos cursos de especialização em Medicina da Família e Comunidade, dando ao médico graduado o direito de fazer a prova de títulos ao fim dos estudos combinados com a prática no atendimento à população dentro do programa.
A reformulação do Mais Médicos reforça a disposição do governo federal em atuar diretamente na especialização dos médicos, algo que a Abramepo defende há muitos anos. Ao priorizar a contratação de brasileiros, deixando como reserva a possibilidade de convocar brasileiros formados no exterior ou estrangeiros, o governo sinaliza que, com a regulamentação dos cursos de especialização, o Brasil terá a força de trabalho necessária para atender praticamente toda a demanda nacional.