Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará um caso que trata do chamado direito ao esquecimento. Como não há uma lei específica sobre o assunto, o tribunal terá a missão de definir se este direito pode ser aplicado no Brasil e os parâmetros para que ele possa ser utilizado sem provocar prejuízos à liberdade de expressão.
A jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles explica que o conceito de direito ao esquecimento serve para garantir que alguns fatos já amplamente divulgados sejam ‘esquecidos’ pela imprensa e apagados dos buscadores de internet para garantir dois princípios constitucionais básicos aos envolvidos: o da dignidade da pessoa e direito à intimidade.
Na avaliação da jurista, é preciso delimitar o alcance do direito ao esquecimento para que ele atenda à Constituição sem representar um cerceamento à liberdade da expressão. “Pessoas envolvidas direta e indiretamente com fatos que já foram amplamente divulgados e que não tenham repercussão direta sobre a sociedade, em algum momento, têm direito a serem ‘esquecidas’ para dar continuidade às suas vidas com dignidade. Isso vale também para os descendentes dos envolvidos. Há casos de crimes cometidos na década de 60, que ainda são amplamente comentados e marcam um sobrenome, atingindo os descendentes dos envolvidos e provocando situações de constrangimento, por exemplo. Essas pessoas ficam marcadas eternamente por erros de parentes”, comenta.
Segundo Jacqueline, é importante balizar, por meio de requisitos previamente definidos, o que pode ser considerado direito a esquecimento para evitar a chamada insegurança jurídica. “Esses requisitos servem para orientar as decisões futuras e para garantir que sejam esquecidos fatos que não sejam mais importantes para a sociedade em geral, garantindo o direito à privacidade dos afetados sem prejudicar o acesso a informações relevantes para o bom funcionamento da nossa sociedade”, completa.
A advogada criminalista conta que é preciso muito cuidado para delimitar os preceitos que vão reger esse direito. “É um assunto extremamente delicado por esbarrar também em uma questão fundamental para a sociedade, que é a liberdade de expressão. Por isso, é preciso definir com clareza o que pode ser incluído no conceito do direito ao esquecimento e os prazos para que essas informações sejam removidas, para que o mecanismo não seja utilizado com a finalidade de cercear o acesso a informações”, comenta.
Segundo a jurista, a missão que o STF tem não será nada fácil. “É preciso haver equilíbrio para que um direito não se sobreponha ao outro. A questão é delicada, mas necessária num momento em que as informações são divulgadas de forma rápida e abrangente, prejudicando reputações e causando constrangimentos desnecessários”, finaliza.
Entenda
O caso que passará por análise do STF se refere à exibição de um episódio do programa Linha Direta, já extinto, reconstituindo um crime ocorrido há mais de 50 anos. Parentes de Aída Curi, que foi violentada e assassinada na década de 50, pediram indenização à TV Globo. E recorrem de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou o pedido.