O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, nesta quarta-feira, duas ações que questionam a constitucionalidade de artigos da Lei Seca que estabelecem a tolerância zero para motoristas que forem flagrados sob o efeito de álcool e outras substâncias psicoativas na condução de veículos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4103, ajuizada pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel Nacional), e a ADI 4017, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio, questionam o rigor aplicado a motoristas alcoolizados e pretendem liberar a venda de álcool nas rodovias federais, prática proibida desde 2008 no Brasil.
Entidades médicas demonstram preocupação com esse julgamento no STF, pois entendem que a Lei Seca é uma das maiores aliadas da sociedade brasileira para a preservação de vidas no trânsito. Segundo Alysson Coimbra, coordenador da Mobilização Nacional de Médicos e Psicólogos Especialistas em Trânsito e diretor da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (AMMETRA), a norma foi fundamental para a redução de mortes no trânsito e para a mudança do perfil do motorista brasileiro e “é a lei brasileira mais respeitada e copiada no mundo, pois pune exemplarmente uma conduta criminosa que causa tantas mortes”.
A jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles avalia que o endurecimento da lei deve ser mantido pelo STF. “Essa ADI é muito antiga, tem 13 anos e, desde então, o Código de Trânsito Brasileiro abrangeu alguns artigos da Lei Seca. Hoje o limite mínimo para configurar o crime de dirigir sob efeito do álcool, segundo o artigo 306 do CTB, é concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Abaixo desses índices configura infração administrativa, caso o motorista não tenha provocado acidente. A utilização do bafômetro tornou-se voluntária, caso o condutor não queira utilizá-lo, a legislação estabelece que o policial pode atestar a embriaguez. Então, o STF deve manter os artigos que estabelecem limite zero para o consumo de álcool, sendo crime ou infração administrativa”, comenta.
Em 10 anos, a Lei Seca permitiu a redução de 14% no número de acidentes, salvando quase 41 mil vidas. “Em 2010, o consumo de álcool representava a segunda causa das mortes no trânsito. Hoje, é a quarta. Temos que continuar trabalhando para que o consumo de álcool desapareça deste ranking”, reforça Coimbra.
Em relação à venda de bebidas alcoólicas em rodovias federais, a jurista acredita que os ministros devam rever a proibição. “A proibição da venda apenas em rodovias federais fere o princípio da isonomia e há brechas para que essa norma seja revista”, pondera.
Tanto Jacqueline Valles quanto Alysson Coimbra reforçam a necessidade de garantir a manutenção da lei para garantir a contínua redução das mortes no trânsito. “A sociedade está consciente dos danos da combinação entre álcool e volante e cobra a aplicação da lei para punir com rigor motoristas que provoquem acidentes e mortes sob o efeito do álcool. Não é o momento de retroceder e abrandar a norma”, afirma Jacqueline.
Coimbra acrescenta que, em 2020, a Câmara aprovou uma emenda do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) que determina prisão para o motorista embriagado que matar ou lesionar no trânsito. Até a aprovação da lei, a pena de prisão poderia pode ser trocada por prestação de serviços e cesta básica. “Essas medidas salvam vidas, têm um caráter preventivo e são fundamentais para garantir a segurança de todos no trânsito, não é o momento de retroceder”, finaliza.
Mortes
Todos os anos, acidentes provocam cerca de 40 mil mortes e deixam um exército de 400 mil mutilados. Reduzir esses índices, que fazem o país ter o quarto trânsito mais violento do mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), é uma missão urgente.