A recente manifestação pelo Governo Federal de, mais uma vez, modificar o prazo de validade da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) de motoristas com até 75 anos de idade é recebida com muita preocupação por entidades e organizações que trabalham com segurança viária. Para especialistas, a medida vai na contramão da ciência e de estudos internacionais e amplia os riscos de sinistros de trânsito.
O médico especialista em Medicina do Tráfego, Alysson Coimbra, diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), explica que o envelhecimento é um processo natural de transformações fisiológicas e estruturais no corpo e na mente. “Existe uma perda gradativa da visão e audição, surgimento de doenças neurológicas, psiquiátricas e deficits cognitivos. Então, a partir dos 50 anos, o acompanhamento da saúde dos motoristas por um médico especialista tem que ser constante e em um intervalo menor que o de um adulto de 30 ou 40 anos, por exemplo”, acrescenta.
Uma das principais mudanças provocadas pelo envelhecimento do corpo acontece justamente em um dos sentidos indispensáveis ao ato de dirigir: a visão. Ela é responsável por mais de 95% das informações enviadas ao cérebro durante a condução de um veículo.
Segundo a oftalmologista e perita do tráfego Daniele Bernardes, a catarata é hoje a maior causa de cegueira no Brasil, seja pelo processo natural de envelhecimento da população ou pela coexistência de doenças como diabetes, que acelera sua evolução. “Por isso o acompanhamento anual com especialista é vital nessa fase da vida”, afirma.
Mente e corpo
A psiquiatra Carolina Cabral explica que o declínio cognitivo leve do idoso e os quadros demenciais são situações clínicas que não são estáveis. “Possuem limites tênues, evolução variável, necessitando de avaliações com menor periodicidade que a população de menor idade”, afirma.
A psicóloga Angélica Reis lembra que o ato de dirigir envolve um complexo processo de interação das funções psicológicas e cognitivas: memória, atenção e tomada de decisão. “O envelhecimento reduz a função cognitiva, dificulta a análise de situações, tomada de decisões e tempo de reação, o que diminui a sua capacidade de dirigir de forma segura”, comenta a profissional.
Dentro de um ambiente repleto de informações, como pedestres, outros veículos, congestionamentos, sons, imagens e obstáculos repentinos, a atenção é um dos quesitos essenciais para o motorista. “Estudos científicos mostram que, quanto maior a idade, menor a capacidade de atenção. Essa capacidade é atestada por meio de uma série de testes feitos no ato da renovação da CNH desse público, por isso a importância do psicólogo especialista para o encontro de sinais e sintomas que somente essa avaliação é capaz de detectar”, completa a psicóloga.
Exames periódicos
Coimbra explica que os exames feitos para a obtenção e/ou renovação da CNH são fundamentais para a detecção precoce de inaptidões temporárias ou permanentes. “É um exame dinâmico que exige do perito a capacidade de entender e aplicar na dirigibilidade os principais efeitos do avançar da idade. A avaliação de motoristas a partir de 40 anos de idade exige a busca por sinais de doenças metabólicas, neurológicas e psiquiátricas, sem deixar de lado a já conhecida perda de acuidade visual. No exame de idosos é importante investigar sinais de catarata e perda da visão periférica, que associados à lentificacão dos movimentos reduzem o tempo de reação em situações corriqueiras como frenagem brusca ou desvio de obstáculos”, explica o médico.
Regras
Hoje o prazo máximo de validade da CNH é de até 10 anos para os condutores com menos de 50 anos; de até 5 anos para maiores de 50 e menores de 70 anos. “Os motoristas com mais de 70 anos podem receber o prazo de até 3 anos de validade na CNH, mas, independentemente da idade, a avaliação da saúde física, mental e psicológica sempre será o principal motivador para a concessão do prazo de validade da CNH. Isso quer dizer que o médico especialista pode reduzir esse prazo de validade de acordo com a saúde do motorista, como prevê a Lei 14071/2020”, completa o diretor científico da Ammetra.