O acidente com uma van escolar que deixou 15 crianças feridas, entre elas uma em estado grave, em Santa Luzia (MG), nesta terça-feira (14), revelou pelo menos duas faces de um grave problema de segurança no transporte escolar: a falta de fiscalização e a falta dos dispositivos de retenção, como o assento elevatório, que deixaram de ser exigidos na Resolução 277 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) para crianças a partir de 7 anos e meio em táxis, ônibus, vans escolares e veículos de aluguel. “Desde 2008 esses veículos não são obrigados a usar esses dispositivos que salvam vidas e reduzem a gravidade de eventuais ferimentos nas crianças. É urgente revisar essa norma, que atravessou vários governos sem que fosse alterada. É uma reivindicação antiga das entidades que atuam em segurança viária”, afirma Alysson Coimbra, diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra).
Falta de fiscalização
De acordo com informações divulgadas pela imprensa, a Polícia Militar afirmou que o veículo estava com o licenciamento atrasado desde 2020 e a documentação do veículo na Prefeitura de Santa Luzia também está irregular. O responsável pelo veículo já tinha sido notificado, mas seguia transportando crianças sem regularizar o veículo. “Não é difícil fazer esse tipo de fiscalização, uma vez que os veículos têm lugar certo pra ir todos os dias, as escolas. Uma fiscalização poderia ter descoberto que a van não poderia estar circulando. Isso evitaria esse triste episódio”, acredita Coimbra.
Ainda efeitos da pandemia
Durante dois anos a atividade de transporte escolar foi praticamente inexistente. Foi o período em que as escolas ficaram fechadas, com os alunos estudando pela internet. Os transportadores escolares ficaram sem trabalho e acumularam dívidas durante a pandemia. “Sabemos que muitos ainda não conseguiram quitar as dívidas e voltaram a trabalhar mesmo com os veículos irregulares, mas temos que considerar que, além da falta de dinheiro para os documentos, falta também para a manutenção dos veículos. Essa situação é de conhecimento do Poder Público, que precisa reforçar a fiscalização para proteger os estudantes”, alerta o médico especialista.
Informações divulgadas na imprensa indicaram que a van perdeu o freio, caiu em uma ribanceira de aproximadamente 10 metros de altura e bateu em uma árvore, na Avenida das Azaleias, no bairro Duquesa II. “A manutenção do veículo existe justamente para evitar esse tipo de problema, por isso é imprescindível a fiscalização”, completa Coimbra.
Cuidados dos pais
Pais e responsáveis devem adotar alguns cuidados para garantir que as crianças sejam transportadas em veículos seguros. “O cuidado precisa começar na contratação do serviço. Antes de assinar contrato é preciso verificar, junto à prefeitura, se a empresa está em situação regular e checar a documentação do veículo. É importante também avaliar as condições externas e internas da van e buscar referências, com outros pais, sobre a experiência do condutor e de quem trabalha com ele”, completa.
Mochilas e bagagens
Alysson Coimbra explica que mochilas e bagagens devem ser acomodadas em um compartimento específico ou embaixo do banco, e nunca viajar no colo dessa criança. “Em situações de desaceleração brusca, capotamento ou tombamento, esses objetos podem ser arremessados e aumentar a gravidade dos ferimentos dos passageiros”, explica.
Assentos de elevação e cinto
De acordo a Resolução 277 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), não é obrigatório o uso de dispositivos de retenção para crianças menores de 10 anos em táxis, veículos de transporte privado de passageiros, veículos alugados, vans e ônibus. “Estruturalmente esses veículos têm, na maioria dos assentos, apenas o cinto de segurança abdominal. Isso, somado à falta de exigência de assento de elevação, aumenta o risco de ferimentos graves nessas crianças porque o cinto não fica posicionado no quadril dela, e sim sobre o abdome, o que pode provocar lesões em órgãos vitais em caso de batida ou desaceleração brusca”, explica o especialista em Medicina do Tráfego.
Coimbra defende que a Resolução 277, que já entra no 15 ano de vigência, precisa ser corrigida. “O CTB estabelece que crianças até 10 anos com menos de 1,45m de altura precisam de assento de elevação, mas a resolução, ao retirar essa obrigação, coloca em risco a vida de milhões de crianças transportadas todos os dias para as escolas brasileiras. A lei precisa ser corrigida e aprimorada sempre em favor da vida”, defende o especialista em segurança viária.