Conhecer o real tamanho de um problema é fundamental para combatê-lo e para desenvolver políticas públicas de prevenção. Com essa premissa em mente, a Polícia Técnico-Científica do Distrito Federal mudou a forma como analisa cenas de crime cujas vítimas sejam mulheres. Foi criado um padrão de procedimentos para identificar sinais de crime de ódio. Isso revelou que muitos casos com aparência de homicídio simples eram, na verdade, feminicídios.
A perita criminal Beatriz Figueiredo, Chefe da Seção de Crimes Contra a Pessoa da Polícia Técnico-Científica do Distrito Federal, conta que todas as mortes de mulheres passaram a ser investigadas, inicialmente, como feminicídio e isso aumentou em até 550% o registro correto deste tipo de crime. “Quando você não trata isso como um possível feminicídio desde o começo, corre-se o risco de que essa morte, que foi motivada por questão de gênero, entre no rol de homicídio comum. Quando você investiga desde o início como feminicídio, a efetividade da investigação, do exame pericial e, consequentemente, do julgamento é muito maior. Se você começa a investigar no sentido oposto, vai acabar descartando provas que depois não consegue recuperar na frente. Se o feminicídio não for comprovado, muda a tipificação para homicídio, suicídio, morte natural, por exemplo”, afirma.
Beatriz apresentou sua metodologia de trabalho a peritos criminais de várias partes do Brasil e do mundo durante o XXVI Congresso Nacional de Criminalística (CNC), realizado pelo Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (SINPCRESP), em Campinas.
Simbolismo
Quando a equipe de peritos que chega ao local procura por indícios que revelem se aquele foi um crime motivado pelo gênero. Segundo a Beatriz, os profissionais procuram por questões relacionadas à violência simbólica. “Animal de estimação torturado, fotos rasgadas, cabelo cortado, roupas rasgadas. Às vezes a gente chega no local e a família fala que objetos de cunho afetivo da vítima estão quebrados”, enumera.
Ela acrescenta que peritos devem procurar por diários, observar se havia uso excessivo de remédio para dor, para dormir e procurar o histórico médico da vítima, para descobrir se há algo que indique uma violência recorrente. “O perito tem que saber o que procura para entender quando ele acha”, resume.
Por isso, os policiais científicos da instituição receberam um treinamento completo para analisar cenas de crime envolvendo mulheres. “É um trabalho contínuo e ele tem que ser feito. A gente precisa atingir todos os profissionais da perícia, então é um caminho que está sendo percorrido”, afirma.
A perita agora prepara um livro para detalhar a metodologia criada e aplicada no Distrito Federal. “Como o Brasil tem muitos casos de feminicídio, órgãos de perícia de várias partes do mundo nos procuram para entender como investigamos e, por isso, acabamos virando referência nesse tipo de trabalho”, diz.
Ela resume como é trabalhar com investigações de feminicídio, sendo mulher. “Crimes contra mulheres tendem a me afetar mais porque se aproximam da minha realidade: basta ser mulher para ser morta”.